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Crônica: encomenda para o PR


«Encomenda para o Presidente da República

Tenho uma encomenda para o senhor, Presidente. É uma caixa preta, ou azul... não tenho mais certeza de que cor é. Deu-me trabalho carregá-la até aqui, pois escorria dela muito sangue, que cobria minhas mãos. Também cheirava à morte, como se tivesse corpos dentro dela. Tentei limpar o sangue com uma camiseta vermelha, cor do partido prometido poder absoluto, para que ninguém notasse. 

Mas enquanto eu limpava o sangue, senhor Presidente. Enquanto eu limpava o maldito sangue, ouvia gritos distantes, vindos da caixa. Pareciam soldados gritando socorro. Talvez estivessem sendo queimados vivos. Ou talvez estivessem sendo despedaçados, daí o sangue. 

Pude captar alguns gritos, senhor. As coisas que diziam. Gritavam por seus filhos, que ficarão sem pais. Gritavam por suas mulheres, que ficarão sem seus maridos. E também por seus pais, que nunca mais verão seus filhos. 

Seus soldadinhos inocentes!

Esta encomenda, senhor. Fez-me reflectir sobre a vida. Sobre como a fome nos fatiga. Não temos o que comer, eu e meus irmãos. Também não trabalhamos, porque o emprego é muito selectivo. Quem trabalha, recebe menos do que trabalha. O pagamento é miserável, e o mando é acumulado.
Também tinha um irmão com futuro promissor. Morreu ainda na mocidade. Foi baleado arredores na cidade. Os jornais falam que foi bala perdida... mas eu e mais outros, sabemos que foi vítima do sistema. Porque liderava uma manifestação, em função de organizar esta nação. 

Esta encomenda, senhor. Também contém um lembrete sobre as urnas. Os votos não fidelizam com sua ordem natural. Tem gato nisto tudo. Ou devo dizer, dedo podre?

Nesta encomenda, senhor Presidente. Existe muito luto. Meus conterrâneos jazem dentro da caixa. Muitos rostos ensanguentados, dos que abraçaram a morte em Chitima. Lembra?

Nesta encomenda, senhor Presidente. Pululam milhares de fantasmas dos homens injustiçados pelo vosso sistema. E vieram assombrá-lo, até que finalmente achem seu descanso eterno.

Por: Haquin Dos Santos»

[Publicação: Radar Magazine — MZ|| Fonte da Imagem: Getty Images || Maputo, 2024]

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